No metro

Sentada no longo banco corrido do metro, espero e observo, enquanto um espectáculo de variedades se desenrola à minha frente. Quatro minutos e trinta, rapariga, 19 anos, calções de ganga desbotada e t-shirt branca estampada dos Beatles, três maçudos livros no colo, Estudante de certeza, talvez de direito? Não, literatura, é isso, tem ar de literatura. Três minutos e treze, homem, 41 anos, fato escuro completo e gravata azul petróleo, pasta de mão castanha de um lado, iPhone do outro,

- Estou atrasado Patrícia, o metro nunca mais chega. Mas vai-me tirando já os processos de hoje e deixa-os na minha secretária.

Advogado aposto, é tal e qual o meu tio. Um minuto e vinte e sete, mulher, 68 anos, saia preta pelos tornozelos e casaco de malha sobre os ombros, canadiana sob o braço esquerdo apoiando o corpo e o espírito, Insuficiência cardíaca, pelo cansaço cianótico, respiratória talvez, mãos encurvadas e deformadas, artrite reumatóide, vai a uma consulta, isso ou apenas mata o tempo antes que o tempo a mate a ela. Dez segundos, o quadro pincelado a óleo altera-se pela primeira vez, as personagens movem-se, as vidas pausadas retomam o seu rumo, todas menos a minha. Eu, sentada no longo banco corrido do metro com o primeiro conjunto que tirei do armário, continuo estoicamente à espera de saber quem sou ou para onde quero ir.

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