A maleita

- Coisa bizarra, nunca vi nada assim.
Era o vigésimo primeiro consultório em que entravam e as respostas seguiam sempre os mesmos carris, Isto ultrapassa-me, Não a posso ajudar, Está fora dos meus saberes, O caso mais estranho que me apareceu em todos estes anos de trabalho. Vinte e uma forma diferentes de ferir o já mirrado coração de mãe, afogado de preocupação, cada vez menos capaz de se erguer a cada não sei tropeçado no caminho. Nem sempre fora assim, Nasceu de contornos e funcionamento perfeito, dois globos cor de avelã no lugar dos olhos, os dedinhos em número certo, cordas vocais bem afinadas. A perfeição congénita vacilou aos nove anos, poucas semanas após a morte do pai, uma dor no peito, um ai! súbito, uma rendição do corpo, perdedor sem vida no chão do quarto. Contam-se agora cinco anos, três meses, dezassete dias passados desde o início do sintoma primário. Ainda hoje a menina chora pétalas de rosa.

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