As metades

Nunca mais conseguiria viver a metades. Meios lençóis por aquecer, meio armário por vestir, meio perfume por cheirar, meios diálogos por ouvir, as meias coisas corroíam-lhe a medula como térmitas famintas por lascas de pau. Inteira, apenas a mágoa com quem dormia, essa sim nunca o abandonava, fiel amante de todas as horas, o prognóstico das meias-vidas. Faltavam-lhe os olhos que o liam de cor, tom de mel, melancólico melaço das madrugadas sós, as mãos que um dia aqueceram meios lençóis, vestiram meio armário, cheiraram meio perfume, terminaram meio diálogo.
De coração tremulo e voz palpitante, pegou no telefone em repouso ao seu lado.
- Perdoa-me amor. Preciso-te.

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